Apontar culpados apenas alimenta a sede de poder e controle que expressamos sobre as pessoas, condenando quem errou (sob a nossa perspectiva) e submetendo quem se relaciona conosco à nossa vontade. Independentemente da noção que tenhamos de certo ou errado, imputar culpas é um sentimento-ação de natureza individual que busca na correção do outro o reequilíbrio do nosso próprio mundo.
Viver é uma experiência de continuadamente decidir conforme nossos interesses únicos, agir em alinhamento a eles e arcar com os resultados decorrentes, consequências essas que são as mais diversas, onde aquelas ocorrências que nos tiram do fluxo habitual são consideradas incômodos que precisam ser corrigidos, dissonâncias indesejadas em nossas rotinas motivadas por agentes externos, cabendo a nós nesta encenação sempre o papel de vítima.
Em casos dessa natureza, enquanto durar o desequilíbrio surgido interiormente, permaneceremos manifestando a insatisfação causada e a urgência em obter do outro a aceitação de ter sido ele o perturbador de nossa paz. Nesses momentos, parece não haver crime maior que o de ter interrompido a nossa ilusão de mundo perfeito, provocando-nos a redefinição de prioridades (sem consulta prévia), obrigando-nos a lidar com algo contrário à nossa vontade.
Como centro que somos de nossas observações e julgamentos, a culpa por um problema ocorrido é de outro. Como variamos o humor a todo momento, ora culpamos alguém por ter feito algo, ora por não ter realizado essa mesma coisa e, quando incorremos em erro semelhante, nem mencionamos o assunto ou até mesmo procuramos ocultá-lo do julgamento externo. O padrão para as exigências que apresentamos sempre é o nosso estado emocional do agora.
Inconscientemente, consideramos ideal o parceiro (amigo, cônjuge, colaborador) que se ajusta ao nosso modo de pensar e agir, antecipando nossos desejos e não ocupando nossas atenções com as ocorrências de sua vida (que muitas das vezes nem nos importa mesmo). Mas quão pequeno não deve ser o universo de quem se mantém sozinho no centro de si, iludido pelos esforços que empreende em atrair e manter adoradores bem-comportados?
Longe da ilusão da subserviência, viver é uma experiência onde os papéis se invertem a todo instante. Diante de nossas imperfeições, às vezes nos encontramos auxiliando os outros; noutras, somos nós quem precisa de ajuda. A necessária interação humana é um jogo de trocas que pressupõe perceber o que o outro lado sente e precisa. Além de nós, há os outros, errando aqui e acertando lá. Todos, sem exceção, estão envolvidos com os equívocos do viver. Do ponto de vista da caminhada evolutiva, não há justificativas para apontar o dedo e culpar qualquer pessoa.
Nas dificuldades vivenciadas, não existem culpados, mas sim responsáveis. Não há quem delas tenha participado que não lhe caiba parcela, mesmo que mínima, pelas ocorrências desencadeadas. Quem tomou parte no erro deve agir na sua correção. Por isso, somos colocados juntos novamente. Não para culparmos uns aos outros exigindo reparação, mas sim para que consigamos cuidar de nossas feridas juntos, lapidando as imperfeições que nos libertarão para seguir adiante.
A caminhada é longa e somente conseguiremos vencer as adversidades necessárias à evolução coletiva manifestando nossa compreensão pelo esforço do outro em viver a sua vida da melhor forma possível. Assim como cada um de nós, todos querem ser percebidos, reconhecidos e amados em sua individualidade. As críticas recorrentes (“para que melhorem”), os defeitos apontados com frequência (“senão a vida lhes será cruel”), a raiva destilada pelo incômodo (“não param de criar problemas”), tudo isso somente cria mágoas, decepções, desamor e afastamento.
Sempre é hora de aprender as razões de existirmos em contexto coletivo e solidário, onde somos estimulados a considerar a posição do outro a todo instante. Não somos reis de ninguém, muito menos de nosso vazio existencial. Somos irmãos no Amor do Criador. Quando percebermos a ilusão de perfeição e superioridade na qual nos encontramos e quisermos sair de nosso castelo de espelho, lá fora encontraremos entre os humanos imperfeitos sorrisos felizes e braços abertos para nos receber.
Mensageiros da Transição (MdT2057), 7MAR2021